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EDUCAÇÃO & LITERATURA

 

JOSUÉ GERALDO BOTURA DO CARMO

 

 

A RELEITURA DA ESCOLA A PARTIR DO HIPERTEXTO

Josué Geraldo Botura do Carmo[1]

Outubro/2003


 

 

 

 

Andrea Cecilia Ramal  afirma que nas culturas que não conheciam a escrita, a transmissão da história se dava através das narrativas orais: o narrador relatava as experiências passadas a ouvintes que participavam do mesmo contexto comunicacional. O saber e a inteligência praticamente se identificavam com a memória, em especial a auditiva. O mito garantia a preservação de crenças e valores. O tempo era concebido como um movimento cíclico, num horizonte de eterno retorno: o Sol, as estações, ou seja, o dia e a noite, o tempo de frio, de calor, a época das flores, a época dos frutos. Havia a idéia do eterno retorno.

A escrita vai trazer mudanças substanciais nas relações entre o indivíduo e a memória social. Agora podemos projetar a nossa visão de mundo, a nossa cultura, os nossos sentimentos e vivências, e desta forma podemos analisar o próprio conhecimento das coisas e do mundo e fazer chegar a outros, culturas de outros lugares e de outros tempos. Agora a experiência pode ser compartilhada sem que o autor e o leitor participem necessariamente do mesmo contexto. A escrita vai ajudar a tecer as páginas da História através de documentos, vestígios, registros históricos, datas e arquivos, relativisando o papel da memória, e trazendo o sentido de linearidade, tudo passa a estar inscrito num formato cronológico. E o registro das experiências e das hipóteses, o conhecimento especulativo, o documento de comprovação, a compilação de teorias e paradigmas é que propicia o desenvolvimento da Ciência.

A escola vai se fundamentar na cultura escrita, organizando-se sobre o conhecimento objetivo dos fatos e sua estrutura curricular pretende funcionar como verdades permanentes, absolutas e universais, independente do contexto. É dessa forma que a língua é estudada na escola, supervalorizando a objetividade e a neutralidade, sem dar espaço a diversidade de interpretações, para as intenções dos falantes. Para a escola, nesse momento, a língua é um fenômeno estático. Ler é compreender o que foi expresso, retirando do texto a sua função social viva, seu contexto, suas raízes e sua história. A escola estruturou-se como um livro: linear, encadeado e segmentado. Para tudo é preciso de pré-requisito. Em nossas escolas impomos as normas da língua “culta” desprezando os saberes de “outros” meios culturais. As crianças provenientes do interior, ou de classes sociais injustiçadas quando vêm para a escola é como se penetrassem num mundo todo feito contra elas, daí a dificuldade de adaptação. Exclui-se a dimensão criadora e a língua passa a servir até mesmo como um instrumento de reprodução do sistema. Anulamos o diálogo e a reconstrução possível de sentidos, fechando o acesso que só poderia ser completado pelo leitor. Segundo a autora, BAKHTIN (1985)[2] vai dizer que "Não existe nem a primeira nem a última palavra, e não existem fronteiras para um contexto dialógico. (...) Em qualquer momento do diálogo existem as massas enormes e ilimitadas de sentidos esquecidos que serão recordados e reviverão em um contexto e num aspecto novo".

Do eterno retorno das narrativas e da linearidade da cultura letrada passamos agora com o advento da informática a uma relação totalmente nova com os conceitos de contexto, tempo e espaço. Vivemos uma série de presentes ininterruptos, coexistindo em tempo real. É um “ciberespaço” interativo e receptivo onde todos podem participar do hipertexto produzido por uma inteligência coletiva, que vai implicar em novas formas de ler, escrever, pensar e aprender, são novas formas de produzir e organizar o conhecimento. Cada leitor, através de links constrói o seu texto de maneira original e única, possibilitando o diálogo entre diferentes vozes e negociação de sentidos, num ato de construção coletiva do pensamento.  Ler agora significa mergulhar nas malhas da rede, libertando-se dos caminhos proibidos: sem margens, sem início, sem fim, sem percurso estabelecido por antecipação. Sem esse princípio único, várias narrativas se tornam possíveis. O hipertexto amplia os recursos expressivos do texto escrito possibilitando a articulação de palavras, sons e imagens.

Para a autora as rupturas são tão radicais que exigirão, no campo educacional de uma releitura de Piaget, Vygotysky e Emília Ferreiro, e com a passagem do linear para o hipertextual, uma linguagem móvel e flexível, nossos currículos têm que ser revistos. E no campo relacional parece que as parcerias e a aprendizagem em conjunto serão inevitáveis. A escola precisa abrir-se ao outro, reconhecendo que a experiência do outro é fundamental para a constituição da subjetividade e para a produção de saber coletivo. Quanto ao espacial, construirmos uma escola aberta à pluralidade de vozes, todas as falas e todos os textos. Para ela a profissão de professor precisa ser reinventada, ela vê o professor como alguém que vem dialogar e criar condições necessárias para que todas as vozes sejam ouvidas e cresçam juntas.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

RAMAL[3],  Andrea Cecília. Ler e escrever na cultura digital.

<www.revistaconecta.com>

Acessado em 15/10/2003


[1] Pedagogo com habilitação em Administração Escolar de 1º e 2º grau e Magistério das Matérias Pedagógicas de 2º grau. Professor Facilitador em Informática Aplicada à Educação pelo PROINFO-MEC NTE-MG2

[2] BAKHTIN, Mikhail. Estética de la creación verbal. Madrid: Siglo Veintiuno, 1985, 2a.

 [3] Pesquisadora do Centro Pedagógico Pedro Arrupe. Autora de Histórias de gente que ensina e aprende. Doutora em Educação - PUC-RJ. Diretora da Instructional Design.