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EDUCAÇÃO & LITERATURA

 

JOSUÉ GERALDO BOTURA DO CARMO

 

A NEUTRALIDADE NA EDUCAÇÃO DIANTE DO

FAZER TECNO-CIENTÍFICO NO MUNDO DA

DIVERSIDADE CULTURAL

Josué Geraldo Botura do Carmo[1]

fevereiro/2004


 

 

 

 

“Fazemos parte de um universo que é uma obra em andamento;

somos pequenas parcelas do universo olhando para si mesmas –

e construindo a si mesmas.

Não é só o futuro que é indeterminado: o passado também.

E olhando para trás no tempo, mesmo até a época do Big Bang,

nossas observações atuais selecionam uma

de muitas possíveis histórias quânticas para o universo”.

Wheeler

 

Fome é coisa inventada e imposta e para superá-la não basta receber comida, para sair da miséria é preciso conquistar  condições de prover o próprio sustento. Pobre é aquele que não sabe ou que é coibido de saber que é pobre. A pobreza não implica apenas em estar privado de bens materiais, mas estar privado de construir suas próprias oportunidades. Essa miséria tem sido historicamente produzida, cultivada e reproduzida.  

A “sociedade do conhecimento” não pode se deter somente na qualidade formal, no manejo do conhecimento, mas também e principalmente na qualidade política. E política social não se faz com sobras do sistema, é muito mais uma questão de distribuição justa de riquezas. É uma questão de cidadania. A tarefa principal da educação seria, pois, confrontar-se com a pobreza política, desfazendo o véu da ignorância historicamente produzida. A escola tem que ter em mente que em primeiro lugar vem o cidadão, e depois o consumidor. É preciso valorizar a aprendizagem em detrimento ao ensino, para que haja a construção da autonomia, do saber pensar e aprender a aprender. Conscientes de que a linguagem não retrata a realidade, mas a reconstrói. O professor deve assumir a sua função de facilitador da autonomia do estudante, abrindo oportunidades de reconstrução permanente do conhecimento, lembrando que o manejo do conhecimento é a vantagem comparativa mais decisiva do mundo globalizado, onde o capital intelectual vale mais que o capital patrimonial, e que o capital intelectual tende a valorizar-se, enquanto que o capital patrimonial desvaloriza-se a cada ano, porque a matéria deteriora-se. Precisamos dar oportunidade aos estudantes de trabalharem o conhecimento com criatividade, partindo sempre de sua base cultural própria, enfatizando sempre em nossas atitudes que todos somos sujeitos capazes de história própria, dependendo das oportunidades que se abrem e da capacidade de iniciativa. Os meios de comunicação transmitem conhecimentos suficientes e de forma bastante atrativa, cabe ao professor impulsionar a capacidade de saber pensar, usando a razão e a emoção, sempre com criticidade. 

O professor não é um mero transmissor de conhecimentos, mas um educador com compromissos sociais importantes, porque não é mais possível desconsiderar que seus atos pedagógicos possuem conseqüências sociais abrangentes, mesmo que indiretas, e nem simplesmente seguir ignorando ou negligenciando a presença implícita de suas interpretações dos valores sociais e culturais nas escolhas que realiza. Assim como a escola com seus rituais, seu currículo implícito ou explícito, seus silêncios, suas hierarquias, vai influenciar na forma da sociedade a que almeja. E é nesse ponto que a escola e seus profissionais devem ser neutros, apontando sempre para a diversidade de idéias, sem julgar as melhores ou as piores, as certas e as erradas, as bonitas ou feias, rompendo com a dialética e fazendo perceber que as idéias só são diferentes, assim como o modo de ser e de agir de cada indivíduo, de cada sociedade. 

A estrutura educacional tem sido preparada de antemão para favorecer certos interesses sociais, é preciso reavaliar o papel exercido pela educação no novo tipo de sociedade que se configura. A sociedade do conhecimento solicita que  seus componentes tenham capacidades suficientes para discutir e decidir sobre questões científicas e tecnológicas, pois estas questões influenciam no bem estar social, e por isso devem ser conduzidas com a participação de todos, através de negociações. A tecnologia é uma rede de relações, para a qual concorrem os diferentes aspectos da vida em sociedade. A tecnologia e a mudança tecnológica é, desse modo, interpretada em sua dimensão mais ampla, envolvendo os vários campos da atividade humana, incluindo o técnico, o científico, o econômico, o político, o militar e o organizacional que se associam em redes para a construção e operação de artefatos tecnológicos. 

A novidade dessa postura educacional reside fundamentalmente na explicitação da prática docente existente, que o professor realiza através das escolhas pessoais quando da preparação didática da disciplina, e também através de suas atitudes em sala de aula e fora dela, momentos em que emergem seus valores e interesses sociais e culturais que defende e reproduz. A exploração sistematizada dessas relações complexas do conhecimento humano torna consciente o processo de educação, aumentando a sua significação social e ampliando a sua importância como instrumento da cidadania e da humanização das técnicas. Há hoje a necessidade da ampliação do conhecimento técnico, visando uma maior sincronia da técnica com os interesses mais amplos das sociedades, ampliando a capacidade de negociação, fazendo da educação um processo democrático e interdisciplinar, tendo sempre em vista que a tecnologia reflete os planos, propósitos e valores das sociedades e que fazer tecnologia é fazer política, e como política é um assunto de interesse geral, devemos ter a oportunidade de decidir que tipo de tecnologia desejamos. 

A Ciência escondeu-se por muito tempo por detrás da objetividade e da neutralidade, enquanto servia a interesses religiosos, políticos, econômicos e de grupos sociais, fazendo aumentar o poder, a autoridade e privilégios de alguns grupos. Hoje a própria Ciência e a Tecnologia admitem a não-neutralidade, contudo o fato de assumir essa não-neutralidade abriu caminho para a discussão da ética científica e tecnológica. E assim em todos os campos do conhecimento, seja na Física, na Química, na Engenharia, no Direito, etc. todos estão atentos para questões éticas, com influência na economia, no sistema produtivo, na cultura, em questões ecológicas, etc. Para a Educação fica a questão: Qual deve ser o papel da escola? 

Ciência, tecnologia e sociedade, são estruturas interpenetrantes que não podem existir isoladamente, e que negociam entre si de forma cada vez mais intensiva. Nunca foi tão forte a necessidade de estreitar relações entre a ciência e a sociedade, inclusive no que diz respeito a sua estrutura de poder. E hoje não há mais certezas, os sistemas obedecem a leis não-lineares e exibem um comportamento complexo, na forma de transições abruptas, multiplicidade de estados, auto-organização e imprevisibilidade. As ideologias associadas tanto à ciência quanto ao poder estão em crise. Estamos diante de futuros múltiplos, bifurcações, e incertezas. As fronteiras econômicas, sociais e geográficas estão se diluindo.  

O conhecimento em si não é bom e nem mau, mas pode ser usado tanto para libertar como para aprisionar, dependendo dos interesses particulares de quem o possui e o usa. O saber pode ser utilizado para vários fins e é capaz de facilitar o poder, a autoridade e os privilégios de uns sobre os outros, em todas as esferas sociais, no interior dos grupos e nas interações intergrupais de uma sociedade particular.

Para tanto necessitamos de um currículo aberto e flexível, enfatizando metodologias que proponham reflexão, participação social, difusão de conhecimento, valores, princípios e teorias, estabelecendo elos entre a tecnologia, a ciência e a sociedade, tratando-as como produções culturais. Pois nossas decisões técnicas estão impregnadas de valores sociais que de alguma maneira afetam o cotidiano das sociedades, moldando-as e sendo por elas moldadas. A decisão sobre as técnicas é essencialmente uma decisão sobre o modo de nos posicionarmos no mundo.
 

A educação vai além das teorias, experimentos e métodos, ela deve contribuir ainda para a capacidade de entender e avaliar o impacto da ciência e da tecnologia na sociedade, refletindo sobre as questões éticas a que elas dão origem. 

Cabe à escola analisar, sem tomar partido, questões filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas. Isso não significa que o professor não possa defender o seu ponto de vista, da mesma forma que deve ouvir o ponto de vista de todos e discutir o ponto de vista de diferentes autores. Muitos serão os pontos de vista, pois a escola recebe docentes de todos os quadrantes ideológicos, estéticos, religiosos, políticos, etc. Contudo a postura do professor diante de todos os assuntos deverá ser a de ajudar os alunos a perceberem que existem muitas posições diante de cada assunto, e cada um deve escolher a sua posição, e que esta pode ser revista a qualquer momento.


Embora não somos neutros diante do tipo de educação que estamos escolhendo, pois temos que escolher uma dentre muitas, a nossa posição deve ser neutra diante dos assuntos a serem abordados, respeitando a opinião e o modo de vida de todos.

 
Nossas ações educativas devem levar à possibilidade de se criar, transformar e multiplicar as potências de vida, de alegrias, em coletividades inteligentes que se relacionam nos espaços do saber, da autonomia e do viver. Criando uma criança cidadã e um jovem protagonista do seu próprio futuro, capaz de compreender melhor o sentido de viver e capazes de compartilhar essa busca de permanente compreensão das coisas, que embora simples, são profundas e fundamentais. E neste momento é necessário que a educação crie uma ponte com a comunicação, denunciando a educação feita a partir de categorias, preocupadas com formação e não com educação, dentro de uma dialética: bem e mal, rico e pobre, feio e bonito, amor e guerra, vencedores e perdedores, desmistificando o “imaginário social”.
Deslandes[2] (1994), segundo BONATO (1996) afirma que quando definimos o que pesquisar, a partir de que base teórica e como pesquisar, estamos fazendo escolhas que são, mesmo em última instância, ideológicas. É preciso deixarmos de trabalhar os temas educacionais de forma preconceituosa, moralizadora, conformadora e estereotipada.  

Temos que fazer teoria de nossa própria prática, construir nossos próprios conceitos, assumir a própria teoria e viver dela, rompendo dessa forma com a mentalidade consumista. E assumindo assim uma prática, teremos condições de aperfeiçoá-la, pois o conhecimento está sempre em um processo dinâmico e permanente, resultado da práxis. O humano e sua organização social são sujeitos históricos. E esse sujeito está em construção, tanto os chamados educandos como os chamados educadores, e cada qual cria seus métodos próprios para construir conhecimento. Tanto um quanto outro é um investigador em potencial. A educação é um processo de conhecimento onde todos ensinam e todos aprendem. Daí a importância de uma horizontalidade de caráter vivencial em sua base, para que possibilite a participação democrática de educadores e educandos no processo educativo e podermos pensar a partir de nós, a partir da nossa realidade. Toda ciência tem sua intenção e toda investigação o seu interesse. Toda ação científico-social está a serviço de uma ação política ou ideológica. A Educação precisa estar atenta para perceber isso, para ler esses símbolos, para ter uma capacidade para a metalinguagem. Percebendo sempre: a quem este conhecimento está servindo? Contra quem está servindo? 

As tecnologias de informação estão sendo instaladas no interior de todos os espaços preexistentes a elas, e novos mecanismos de controle estão sendo estabelecidos através da junção da ciência e da técnica, junções que formam o saber qualificado e dominante do fim do século  técnico-científico. Precisamos nos mobilizar para que os saberes sejam utilizados contra a dominação. 

A educação até agora se fundamentou , religiosamente ou cientificamente, em valores tidos como unívocos, eternos e universais. O professor era o mediador dessas verdades, neutro e iluminado, apontando o caminho reto do bem, da verdade e da vida. Uma escola reprodutora das injustiças sociais e mantenedora do statua quo  cultural, controlando, moldando, humilhando, excluindo e reproduzindo privilégios. Nesse momento a Pedagogia e o Currículo, os professores e sua formação, as didáticas e as metodologias, a Escola e a Educação são impelidas a tornarem-se muito mais culturais e bem menos escolares.  

A escola, os currículos e os educadores estão perplexos diante de questões desafiadoras que até a algum tempo atrás tinham respostas estáveis e seguras. As certezas escapam, os modelos são inúteis e as fórmulas inoperantes. A vocação normalizadora da educação vê-se ameaçada. A tradição pragmática nos faz perguntar: o que fazer?  Mas nada podemos fazer antes de analisar a nova situação de forma localizada, e a partir daí construirmos a nossa ação. 

A escola tem que romper com situações de hierarquia, de classificação, de dominação e de exclusão, encontrando novas formas de pensar a cultura, o conhecimento, o poder e a educação. Um currículo capaz de exigir que se preste atenção no jogo de interesses políticos dentro de nossa sociedade, não só que contemple uma sociedade plural: dar conta das disputas, dos conflitos e das negociações. Evitando sempre operar com os dualismos que mantêm a lógica da subordinação. O conhecimento é uma questão interminável. A dúvida deixa de ser desconfortável e nociva e torna-se estimulante e produtiva. As questões insolúveis sugerem a busca de outras perspectivas e incitam a formulação de outras questões. 

A educação é um fenômeno político por natureza, daí a relação entre poder e educação ser intrínseca. Na prática a escola não pode tomar partido, ela deve dar oportunidade apenas do estudante conhecer os vários aspectos de determinadas idéias, podemos até manifestarmos a nossa posição, mas deixar que o estudante encontre o seu próprio caminho e construa seus próprios conceitos.  

 

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

 

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*Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação e do

Departamento de Ensino e Currículo da

Faculdade de Educação da UFRGS

**Doutor em Filosofia pela Universidade de Barcelona, ES. Coordenador do Núcleo de Estudos Filosóficos da Universidade Estadual de Maringá - UEM.

***linsingen@emc.ufsc.br

****teixeira@emc.ufsc.br

*****Físico, doutor em Cosmologia, pesquisador do Laboratório de Cosmologia e Física Experimental de Altas Energias e professor de História e Filosofia da Ciência do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas - CBPF/CNPq, consultor científico do Programa Transdisciplinar de Estudos Avançados - IDEA - da Escola de Comunicação da UFRJ e do Museu de Astronomia e Ciências Afins - MAST/CNPq, conferencista da Universidade Livre do Rio de Janeiro.

******Sociólogo, editor e professor. Autor de “Outros Desvios” e “Os Donos da Cidade”. Coordenador de Responsabilidade Social da PARATI e da Cidade Futura - Escola do Terceiro Setor, em parceria com a Fundação AVINA.


 

[1] Pedagogo com habilitação em Administração Escolar de 1. e 2. graus e Magistério das Matérias Pedagógicas de 2. grau. Professor Facilitador em Informática Aplicada à Educação pelo PROINFO - MEC - NTE - MG-2.

[2] Suely Ferreira DESLANDES. A construção do projeto de pesquisa. In: MINAYO, M. C. de S. (Org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis, Vozes, 1994, p. 35.