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EDUCAÇÃO & LITERATURA

JOSUÉ GERALDO BOTURA DO CARMO

 

QUALQUER SEMELHANÇA É MERA COINCIDÊNCIA?

Josué Geraldo Botura do Carmo[1]

Agosto/2001

 

 

 

            Este artigo nasceu a partir da leitura do livro Trabalho e capital monopolista: a degradação do trabalho no século XX[2], escrito nos Estados Unidos no ano de 1974, por Harry Braverman que faz uma análise do processo social em curso. Para tal deter-me-ei no último capítulo do referido livro: Nota final sobre qualificação, em que o autor fala de uma escola (sua pesquisa acontece nos Estados Unidos) muito parecida com a escola brasileira, e que não deve ser muito diferente das escolas atuais do mundo “civilizado”. Este fato chamou minha atenção, pois temos o hábito de acharmos que a escola no primeiro mundo é de boa qualidade, prepara o indivíduo para exercer a sua cidadania.

         O autor começa o seu discurso dizendo que tanto na fala popular quanto na acadêmica ouvimos a afirmação de que o trabalho industrial e de escritório exigem uma população trabalhadora cada vez “mais instruída”, “mais educada”, “superior”.  Citando Silberman, editor de Fortune, diz que uma minuciosa pesquisa sobre mão-de-obra efetuada pelo Departamento de Trabalho de Nova York revela que aproximadamente dois terços de todas as funções existentes naquele Estado implicam tão poucas qualificações que podem ser aprendidas nuns poucos dias, semanas ou no máximo meses de preparo no próprio trabalho.[3]

         Para o autor “o que leva cientistas sociais acadêmicos e governamentais a atribuir grau maior de qualificação, preparo, prestígio e posição de classe a qualquer forma de trabalho em escritório em comparação com todas as formas de trabalho manual é uma tradição de antiga reputação na Sociologia norte-americana que poucos ousam desafiar”.

         Outro ponto a ser observado, segundo o autor, é o alongamento do período médio passado na escola antes da entrada na “força de trabalho” que leva a presumir uma população trabalhadora mais bem instruída. O tempo passado na escola tem aumentado pelas exigências de alfabetização e familiaridade com o sistema numérico de nossa sociedade. A capacidade de ler, escrever, e efetuar operações aritméticas simples são uma exigência do meio urbano, não só pelas funções, mas também para o consumo, para concordância com as normas da sociedade e obediência à lei. Além da necessidade de educação básica é também função das escolas promover a socialização da vida citadina, em substituição a socialização pela fazenda, família, comunidade e igreja, que ocorria antes numa estrutura predominantemente rural.

         Com o resultado da difusão da instrução secundária, ainda segundo Braverman, os empregadores tenderam a fazer exigências maiores aos candidatos a emprego, não devido a necessidades de instrução maior, mas simplesmente devido a disponibilidade enorme de formados em faculdades. Embora a maioria das funções típica da fábrica exige apenas uma formação incompleta do primeiro grau em aritmética, soletração, leitura, escrever e falar, muito freqüentemente costuma-se exigir um diploma ou certificado de curso superior como um meio fácil de selecionar candidatos.

         Farei aqui uma citação de Braverman na íntegra, pela sua importância central deste artigo:

“Desse modo, a contínua extensão da educação de massa para as categorias não profissionais de trabalho perdeu cada vez mais sua relação com as exigências ocupacionais. Ao mesmo tempo, seu lugar na estrutura social e econômica tornou-se ainda mais firmemente assegurado pelas funções que têm pouco ou nada a ver com preparo funcional ou quaisquer outras necessidades estritamente educacionais. O dilatamento da escolaridade para uma média de idade em torno de dezoito anos tornou-se indispensável para conservar o emprego dentro de limites razoáveis. No interesse dos pais que trabalham (ambos os pais trabalhando ao mesmo tempo tendo se tornado coisa comum naquele período) e no interesse da estabilidade social bem como da administração de uma população urbana móvel, as escolas tornaram-se imensas organizações de adolescentes sentados, tendo suas funções cada vez menos a ver com o ensino aos jovens daquelas coisas que a sociedade pensa devam ser aprendidas. Nesta situação, o conteúdo da Educação deteriorou-se à medida que sua duração se estendia. O conhecimento ensinado no curso de uma instrução elementar expandiu-se mais ou menos para atender ao sistema vigente de doze anos, e na grande maioria dos casos os sistemas escolares têm dificuldade em instilar nos doze anos as qualificações básicas de alfabetização e cálculos que ocupavam oito anos, há algumas gerações passadas Isto por sua vez deu ímpeto maior aos empregadores no sentido de candidatos a emprego com diploma superior, como garantia – nem sempre válida – de conseguir trabalhadores que saibam ler.” (BRAVERMAN – 371-2).

        

 

E continua o autor dizendo do impacto econômico que o sistema educacional ampliado causou fornecendo emprego para professores, administradores, trabalhadores em construção e serviços etc., nada tendo a ver com educação ou preparo ocupacional. E ele afirma que as escolas como babás de crianças e jovens, são indispensáveis para o funcionamento da família, da estabilidade da comunidade e ordem social em geral (embora elas preencham mal essas funções). E que a escola foi criada para preencher um vácuo e tornou-se um vácuo cada vez mais vazio de conteúdo, reduzida pouco a pouco em sua própria forma: um despropósito, uma futilidade.

         E para o autor a educação só pode despertar o interesse e atenção dos trabalhadores quando eles se tornarem senhores da indústria no sentido verdadeiro, quando os antagonismos no processo de trabalho entre controladores e trabalhadores, entre concepção e execução, entre trabalho mental e manual forem superados, e quando o processo de trabalho for unificado no corpo coletivo que o executa. E isto não significa simplesmente a imposição de uma estrutura parlamentar dentro da firma, como a eleição para diretores, ou votação sobre decisões referentes a produção, mas uma desmistificação da tecnologia e reorganização do modo de produção. Neste modo de produção capitalista em que vivemos a extensão de uma “escolaridade” cada vez mais vazia combinada com a redução do trabalho a tarefas simples e fáceis representa um desperdício de anos na escola e uma desumanização nos anos seguintes.

 

                   O que Braverman deixa claro é que a sociedade capitalista necessita, com o advento da tecnologia, cada vez menos de pessoas qualificadas para algum tipo de serviço. O máximo que a pessoa necessita para trabalhar é estar habituada com a rotina do trabalho, e isto em poucas semanas ou meses ela adquire com facilidade, devido a automatização e a divisão do trabalho, e seus anos de escolaridade que a preparou para achar a rotina natural.  E esta é uma das causas da degradação da escola, que fica apenas com a função de depósito de crianças e jovens para que os pais possam produzir para o sistema (enriquecendo alguns) e para que estas crianças e jovens não fiquem pelas ruas perturbando a “ordem”. Isso para ele estava claro no ano de 1974 nos Estados Unidos e atualmente no Brasil isso é perceptível pelos profissionais da educação em todos os estabelecimentos de ensino. (E pode-se perguntar a qualquer profissional da educação que está atuando em unidades de ensino, se não é mesmo esta a nossa realidade).

         E os próprios alunos querem apenas o certificado de conclusão de curso, para poderem conseguir trabalho. Tem-se visto até mesmo a compra de diplomas. Eles mesmo têm consciência de que não necessitam do conhecimento escolar para exercer sua atividade profissional. Vivem dizendo: “dá logo meu diploma”.E a preocupação maior dos pais é ter um lugar seguro onde possam deixar os filhos. E é comum vermos hoje alunos do ensino médio no Brasil que não sabem ler, escrever ou fazer contas.

         O que podemos concluir é que esta falência da escola, neste sistema em que vivemos não é falência. Ela está realmente se prestando de forma muito eficiente à manutenção deste modo de produção com base na exploração, para que a  riqueza e as oportunidades estejam sempre ao alcance de poucos.

         É um trabalho de cunho político, para os profissionais da educação. Que têm que perguntar no momento da elaboração dos planos de desenvolvimento da escola, dos planos pedagógicos, da elaboração dos currículos e dos planos de aula: Como podemos fazer para nos colocarmos a serviço da democracia? Entendendo democracia como participação efetiva de todos os envolvidos, no caso, no processo educativo daquela unidade de ensino. E tentarmos assim viver, ludicamente. Sem dúvida a escola tornar-se-ia muito mais atraente e producente, na busca de novas formas de vida, com mais justiça, alegria e prazer. E não basta alterar  somente as relações de propriedade, como fez a União Soviética, é necessário também alterarmos o modo de produção.

 

         REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA 

BRAVERMAN, Harry. Trabalho e capital monopolista: A degradação do trabalho no século XX. Trad.  Nathanael C. Caixeiro. 3ª ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981.

 

 

[1] Pedagogo com habilitação em Administração Escolar formado pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professor da Rede Municipal de Santa Luzia – MG.

[2] Título Original: Labor and Monopoly Capital : The Degradacion of Work in the Twentieth Century

[3] Charles Silberman. The Myths of Automation (Nova York, 1966). P. 52