VOLTAR À PÁGINA INICIAL 

 

EDUCAÇÃO & LITERATURA

JOSUÉ GERALDO BOTURA DO CARMO

 

AVALIAÇÃO CLASSIFICATÓRIA

 X

AVALIAÇÃO PROGRESSIVA

Josué Geraldo Botura do Carmo[1]

Maio/2003

 

 

 

"Esta maldita tarefa de aprovar ou

reprovar aluno foi imposta há séculos

aos professores, de tal forma que, num

primeiro momento, torna-se muito difícil

nos livrarmos dela, já que se tornou,

para a grande maioria dos docentes,

algo absolutamente natural."

(APEOESP[2]

A escola brasileira se vê pela primeira vez na sua história diante do dilema da alfabetização e da aprendizagem, uma vez que o novo paradigma da globalização exige, para que se possa competir com os países do hemisfério Norte, uma população letrada. E essa escola que até agora tinha como papel principal a classificação de alunos, determinando aqueles que seriam dirigentes e aqueles que seriam dirigidos, numa atitude de exclusão; se sente impotente diante da nova tarefa que lhe é imposta: a de inclusão.

E toda a estrutura que havia sido montada para a escola de exclusão social, tem que ser desmontada, para que se possa construir a escola de inclusão social. Para isso há que se pensar em uma nova estruturação do espaço físico, uma nova estruturação do currículo, uma nova estruturação do tempo escolar e uma nova estruturação no campo da formação dos profissionais da educação.

O fim da avaliação classificatória que teria que ser vista como um avanço, devido a distorções historicamente acumuladas, vem sendo um campo de equívocos e discórdias entre os profissionais da educação. Precisamos superar os limites e as contradições e seguir adiante, acreditando que um outro mundo é possível, conscientes de que a humanidade pode e deve ser mais feliz. E este outro mundo precisa contar com uma outra educação, que implica também em uma outra forma de avaliação escolar, pois a que tivemos até agora tem provocado enormes estragos. Se não mudarmos de paradigmas, se não descondicionarmos o olhar, torna-se mais difícil vislumbrar novas possibilidades.

Se por um lado ouvimos professores defenderem com convicção que a retenção é uma coisa boa, ou um mal necessário, por outro lado presenciamos os órgãos oficiais impondo aos professores a obrigação de aprovar os alunos. Imposição essa, sem nenhum trabalho de sensibilização e capacitação. Essa decisão tem que partir dos educadores, de pouco adianta acabar formalmente com a lógica classificatória sem uma consciência de fato.

Partamos do princípio de que a avaliação tem uma conotação altamente ideológica (muitos preconceitos enraizados, das formas mais sutis), e tem uma profunda base na lógica social maior. E que o acesso ao saber é a contribuição específica da escola na formação da cidadania.

A única certeza que temos em termos de avaliação é que se faz necessário a proposição de uma outra forma de avaliação, como prática democrática, de inclusão e emancipação no sistema educacional brasileiro. Na história da educação do Brasil, observamos a repetência sendo usada como uma forte arma para exclusão do acesso ao saber, para a expulsão das escolas, dos pobres e dos negros, mantendo assim as classes sociais, bem comportadas, sem conflitos aparentes. Sabemos também "que exclusão no interior da escola não se dá apenas pela avaliação e sim pelo currículo como um todo (objetivos, conteúdos, metodologias, formas de relacionamento, etc.). No entanto, além do seu papel específico na exclusão, a avaliação classificatória acaba influenciando todas estas outras práticas escolares”.


O problema da avaliação está em sua intencionalidade, na sua lógica classificatória e excludente, que tem sua raiz fora da escola, tem sua raiz na lógica seletiva social. A avaliação classificatória é uma questão mais política que pedagógica. Os professores vêm sendo usados historicamente pelo sistema para a reprodução das desigualdades sociais. O professor tem que resgatar a compreensão de que o seu papel fundamental é ensinar, criando condições para a efetiva aprendizagem e desenvolvimento de todos e não o de medir, julgar, disciplinar e selecionar. E ficam os professores ao invés de se preocuparem com a aprendizagem, com o saber, tendo que se preocupar em selecionar os melhores e domesticá-los para o sistema.

A escola concebida como espaço de formação da pessoa, do cidadão tem uma outra configuração. Essa nossa escola já é organizada tendo em vista os que "vão" e os que "não vão" e ela é destinada para os que "vão". E a escola continua a transmitir conteúdos, medir, reter, premiar ou punir o aluno de acordo com o seu desempenho. A questão não tem sido a de intervir para qualificar, mas a de rotular para excluir.


A organização em seriação do sistema de ensino reforça a idéia de reprovação, pois cada série é um "estágio". Se o professor tiver receio de que o aluno não acompanhará o estágio seguinte, este aluno será retido. Falta uma visão de continuidade do processo de aprendizagem e desenvolvimento do aluno. O grande problema da avaliação é a sua vinculação a uma lógica social de exclusão, através dos mecanismos de classificação a que está submetida.

O problema não é aprovar ou reprovar, mas favorecer a aprendizagem e o desenvolvimento humano de todos. O que tem que mudar é a forma de avaliar o aluno.
 

"O grande nó da avaliação escolar está, pois, nesta lógica classificatória e excludente. É claro que existem outros problemas na avaliação, seja em termos de conteúdo, forma, relações. Só que de muito pouco adianta mexer nestes outros aspectos se sua intencionalidade não for alterada.
Queremos deixar muito claro, logo de partida, o nosso enfoque: estamos a combater a classificação excludente, e não só a reprovação, uma vez que a mera aprovação do aluno pode ser tão excludente quanto a reprovação, já que também não está levando à efetiva apropriação do conhecimento. Precisaria ficar muito patente que o nosso problema não é (não deve ser) aprovar ou reprovar, mas favorecer a aprendizagem e o desenvolvimento humano de todos”. (APEOESP)

 

O professor vai defender a reprovação dizendo que "não se pode enganar o aluno", "é preciso manter o nível do ensino", "se precisa fazer alguma coisa diante do fato do aluno não estar aprendendo", "é preciso preparar o aluno para a vida", etc.

 

"A simples defesa do fim da reprovação e, por conseqüência, a bandeira da mera aprovação/empurração cria um clima de afrouxamento ético, o que não é, com certeza, bom para o avanço da luta pela democratização do saber. O professor não pode perder o brio, o senso ético e, conseqüentemente, a responsabilidade por seus atos”. (APEOESP)

 

De um lado, uma concepção autoritária, excludente, mas com longa tradição, e, de outro, a concepção emergente, de cunho democrático. A avaliação progressiva se apresenta em oposição à tradicional organização seriada do ensino, pautada na rígida “distribuição de objetivos e conteúdos” e em “anos letivos”. O que está posto, no limite, com a idéia de progressão, é a construção da escola sob o compromisso de incluir os alunos historicamente dela excluídos, sob a alegação de que não se adaptam às suas regras, rituais e aos conteúdos por ela legitimados.

O que a escola tem que fazer e não faz é assumir o compromisso com a aprendizagem efetiva na continuidade do estudo, e desta forma não teria que interromper processo algum com reprovações. A reprovação é uma necessidade dentro da estrutura perversa em que a escola está fundamentada. O ser humano não é para ser aprovado ou reprovado. Ele tem direito fundamental à existência, à cultura, ao conhecimento, ao desenvolvimento.
A avaliação não é neutra e nem uma simples atividade técnica no âmbito pedagógico, ela tem cunho ideológico e vai ter repercussão em várias esferas da existência. Basta olhar e vermos ao nosso redor a desigualdade social. A escola é uma das grandes responsáveis, é ela que através de sua estrutura, seja através de seu currículo explícito, ou oculto, de seus rituais, de seus silêncios, na hora da avaliação, ou na hora da classificação dos alunos em turmas A, B ou C, mantém a desigualdade social e todos passam a achar coisa natural, e fica fácil de ser mantida esta estrutura na sociedade.

O desafio que se coloca aos profissionais da educação é o de analisar as condições de possibilidade de práticas alternativas de avaliação.

A avaliação classificatória ocorre, e sentimos necessidade de recorrer a ela, porque um conjunto de fatores acaba contribuindo para isto. A estrutura organizativa da escola não nos deixa ver outra saída que não essa. E enquanto houver a mentalidade de que existem pessoas de categorias diferentes, a avaliação classificatória vai permanecer no interior da escola. Mudar a forma da avaliação é mudar a sociedade. Assumir a idéia de progressão na trajetória escolar supõe ter como um dos pressupostos da organização do trabalho a diversidade dos alunos, decorrente de suas características individuais e de classe social e, portanto, a aceitação de que estes trilham caminhos diversos de aprendizagem, em ritmos diferentes, que se manifestam em especificidades de trajetórias escolar e de vida.


A avaliação é uma atividade de acompanhamento e transformação do processo de ensino-aprendizagem, através da observação, análise, registro, reflexão sobre o que foi observado e registrado, comunicação dos resultados e tomada de decisão para atingir os objetivos que ainda não foram alcançados. E para isso esbarramos com as questões de salas superlotadas, com tempo reduzido, sem condições reais do professor poder fazer um acompanhamento honesto de seus alunos, fazendo diagnósticos, analisando a situação, dando retorno ao aluno de seus limites e seus avanços, e preparando novas atividades que poderão auxiliar o aluno na superação de seus limites.

E ficamos discutindo se a organização é ciclo ou seriação  (já ouvi até a classificação de “ciclo-seriação”), se é nota ou conceito, se há retenção ou se não há retenção. O problema é bem outro. E se conseguirmos resolver a questão da qualidade não importa que seja ciclo ou seriação, nota ou conceito. E a forma como o aluno vai ser avaliado tem que partir dos professores, não adianta vir receita pronta elaborada pelos "iluminados", por mais "iluminados" que sejam, moradores das altas esferas governamentais.

E uma coisa tem que nos ficar claro: a avaliação progressiva não pode ser confundida com "aprovação automática", servindo apenas à regularização do fluxo escolar, como tem sido usada por muitos governantes para o fim da repetência. É necessário que sejam garantidas, pelo poder público, condições às escolas para desencadearem um processo coletivo de reflexão, que apóie intervenções consistentes. As mudanças que se exigem não são meramente técnicas, mas sim políticas e ideológicas, impondo o confronto com valores arraigados na cultura escolar.

Para finalizar, BITTENCOURT (2003) vai fazer uma análise do papel social da escola no Brasil. A autora afirma que no início somente uma pequena elite entrava para a escola, mais tarde os que entravam e não eram da elite eram expulsos das escolas. Esse fato ocorreu até a década de 60 quando a garantia de vagas para todos nas escolas públicas passou a ser tratada como um problema de política internacional e a expulsão passou a ser constrangedora para as escolas. O que aconteceu então? Não havia mais expulsões, ou melhor, a expulsão aparece com o nome de evasão escolar. E a causa de tanta evasão é a reprovação. O aluno agora não era mais expulso, mas de tanto ser reprovado, acabava por abandonar a escola. O poder público, então, em vários Estados da União, decretou o fim da reprovação. Passou então a ocorrer o seguinte fato:

“As crianças e os jovens estão na escola, permanecem nela e recebem seus diplomas, mas não sabem o que deveriam saber ao deixar a escola. Descobriu-se que a escola não ensina, que os alunos não aprendem, que os professores não sabem, que nossos índices de desempenho estão entre os piores do mundo”.

A autora vai dizer que o que mudou foi apenas o registro burocrático: expulsão, evasão, baixos índices de desempenho escolar. Fica claro, portanto o papel social da escola até agora: o da exclusão social: selecionar, classificar, distinguir, hierarquizar. E a escola por si só não consegue produzir a igualdade numa sociedade desigual, excludente e injusta.

 

 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

APEOESP. Progressão Continuada e Avaliação: Para além do desejo de reprovar e da imposição de aprovar - REVISTA DA EDUCAÇÃO - Nº 16  março/2003

<www.apeoesp.org.br>

Acessado em 27/04/2003

BITTENCOURT[1], Agueda Bernardete: A escola sozinha não produz igualdade.  Especial para a Folha de S.Paulo 29/07/2003.

SOUZA[3], Sandra M. Zákia L. Progressão Escolar: implicações para a organização do trabalho escolar. APEOESP - REVISTA DA EDUCAÇÃO - Nº 16 março/2003

<www.apeoesp.org.br>

Acessado em 27/04/2003


[1] Doutora em educação, diretora da Faculdade de Educação da Unicamp e professora da graduação e da pós. Coordena a equipe brasileira da Rede de Pesquisadores sobre Educação, Cultura e Política na América Latina —além do Brasil, a rede reúne pesquisadores do México, da Argentina e da Colômbia.

 

BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA

ALAVARSE, O. M. Ciclos: a escola em (como) questão. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Educação da USP. São Paulo, 2002.
ARROYO, Miguel G. Experiências de Inovação Educativa: o Currículo na Prática da Escola. In: MOREIRA, AntonioFlávio B. (org.). Currículo: Políticas e Práticas. Campinas: Papirus, 1999.
ARROYO, Miguel G. Fracasso-Sucesso: o peso da cultura escolar e do ordenamento da educação básica. In: ABRAMOWICZ, A. e MOLL, J. Para Além do Fracasso Escolar. Campinas: Papirus, 1997.
ARROYO, Miguel G. Pedagogia da Inclusão: uma escola mais humanizada. In Cadernos da AEC do Brasil. Brasília: 1999 (n. 77).
BORGES, Isabel C. Nache. Currículo Democrático: resistências e possibilidades - desafios na implantação dos ciclos na Rede Municipal de Ensino de São Paulo. São Paulo: Editora Articulação Universidade/Escola, 2000.
COLLARES, Cecília A. L. e MOYSÉS, M. Aparecida A. Preconceitos no Cotidiano Escolar - ensino e medicalização. São Paulo: Cortez, 1996.
COLLARES, Cecília A.L. Ajudando a Desmistificar o Fracasso Escolar. In: Toda Criança é Capaz de Aprender? (Série Idéias, n. 6). São Paulo: FDE, 1990.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido, 7ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.
GRAMSCI, Antonio. Os Intelectuais e a Organização da Cultura, 4ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982.
KRUG, Andréa. Ciclos de Formação: uma proposta transformadora. Porto Alegre: Mediação, 2001.
LIMA, Elvira Souza. Ciclos de Formação: uma reorganização do tempo escolar. São Paulo: GEDH, 2000.
LIMA, Elvira Souza. Desenvolvimento e Aprendizagem na Escola: Aspectos Culturais, Neurológicos e Psicológicos. São Paulo: GEDH, 1997.
ROMÃO, José Eustáquio. Avaliação Dialógica: desafios e perspectivas. São Paulo: Cortez, 1998.

SAMPAIO, M.M.F. Um gosto amargo de escola: relações entre currículo, ensino e fracasso escolar. São Paulo:EDUC,1998
SOUSA, S.M. Z. L. A avaliação na organização do ensino em ciclos. In: KRASILCHIK, M. (Org.). USP fala sobre Educação. São Paulo: FEUSP, 2000. p. 34-43.
_______ Avaliação escolar e democratização: o direito de errar. In: AQUINO, J.G.(org.) Erro e fracasso na escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus, 1997. P.125-140.
VASCONCELLOS, Celso dos S. O Currículo Organizado em Ciclos de Formação. Coordenação do Trabalho Pedagógico: do projeto político-pedagógico ao cotidiano da sala de aula, 2ª ed. São Paulo: Libertad, 2002.
VASCONCELLOS, Celso dos S. Os Ciclos em Questão. Avaliação: Superação da Lógica Classificatória e Excludente: do “é proibido reprovar” ao é preciso garantir a aprendizagem, 4ª ed. São Paulo: Libertad, 2002.
VASCONCELLOS, Celso dos S. Avaliação da Aprendizagem: Práticas de Mudança - por uma práxis transformadora, 4ª ed. São Paulo: Libertad, 2002.
VASCONCELLOS, Celso dos S. Avaliação: Concepção Dialética-Libertadora do Processo de Avaliação Escolar, 13ª ed. São Paulo: Libertad, 2002.
VASCONCELLOS, Celso dos S. Uma Outra Avaliação é Possível. In: Tema Livre. Secretaria da Educação do Estado da Bahia – Instituto Anísio Teixeira, ano V, n. 53/54. Salvador: maio/junho de 2002.
VASCONCELLOS, Celso dos S. Avaliação como Processo de Inclusão. In Anais do Seminário de Educação de Criciúma. Criciúma, Secretaria Municipal de Educação, 2001.
VASCONCELLOS, Celso dos S. Avaliação no Ciclo. In: Revista Prove. São Paulo: Projeto de Valorização do Educador e Melhoria da Qualidade do Ensino, n. 1, nov. 2002.

 


[1] Pedagogo com habilitação em Administração Escolar de 1. e 2. graus e Magistério das Matérias Pedagógicas de 2. grau. Professor facilitador em Informática Aplicada à Educação pelo PROINFO - MEC - NTE-MG2

[2] Associação dos Professores do Ensino Oficial de São Paulo

[3] Professora Doutora da Faculdade de Educação FE/USP.