|
UNIVERSALIDADE COM TOTALIZAÇÃOXUNIVERSALIDADE SEM TOTALIZAÇÃOJosué Geraldo Botura do Carmo[1]Abril/2002 |
||||||||||||||||||
“Desenha e redesenha a figura de um labirinto móvel, em extensão, sem plano possível, universal, um labirinto com o qual o próprio Dédalo não poderia ter sonhado.” Pierre Lévy Para Pierre Lévy aumenta o número de pessoas acessando a Internet a cada minuto. São novos computadores se interconectando e novas informações circulando na rede, fazendo deste ciberespaço cada vez mais universal e desprovido de um centro condutor. Aceita todas as idéias, todas as tendências. E essa universalidade do ciberespaço não é “neutra” e com certeza esse processo de interconexão trará imensas repercussões na vida econômica, política e cultural, transformando a vida em sociedade no planeta, eu diria, criando uma nova sociedade. Para o autor é um universal indeterminado e que tende a manter essa indeterminação, pois cada um que acessa a rede pode tornar-se um produtor ou emissor de informações novas, imprevisíveis e reorganizar por conta própria parte da conectividade global. O autor vai denominar esse fenômeno de “universal sem totalidade” – a essência paradoxal da cybercultura. Passamos primeiro da cultura oral para a cultura da escrita. Antes, as mensagens lingüísticas eram sempre recebidas no momento e no local da emissão. Tanto os emissores quanto os receptores partilhavam de uma situação idêntica e, na maioria das vezes, um universo semelhante de significado. Participavam de um mesmo contexto. Com a escrita abre-se um espaço de comunicação desconhecido. Podíamos agora tomar conhecimento de mensagens geradas por pessoas situadas a milhares de quilômetros ou mortas há séculos. A comunicação não se dá mais somente entre pessoas que vivem o mesmo contexto, e isso faz surgir uma nova racionalidade, que nos traz a noção de universalidade. Inventaram-se, então, as artes da interpretação, da tradução, juntamente com uma gama de tecnologias lingüísticas como as gramáticas, os dicionários, etc. A filosofia e a ciência sempre almejaram a universalidade. As religiões “universais”, todas elas, são apoiadas em textos. Se alguém de nós quiser se converter a qualquer dessas religiões podemos fazer isso em qualquer parte do mundo. Já as religiões indígenas não são universais, embora possam vir a sê-lo como é o caso já hoje do Santo Daime, porque essas religiões são contextuais, locais, não são “universais”, não se apóiam em textos escritos. Isso não quer dizer que estas religiões não sejam patrimônio da humanidade e que não possam comover qualquer ser pensante. Não que a escrita determine automaticamente o universal, mas ela o condiciona. Para Lévy, não há universalidade sem escrita. Desta forma os textos científicos, filosóficos ou religiosos trazem consigo suas condições de interpretação, englobando por construção a fonte de sua autoridade. No universal fundamentado pela escrita, vai dizer Lévy, o que deve manter-se inalterado pelas interpretações, traduções, translações, difusões, conversações, é o sentido, a exatidão. O significado da mensagem deve ser o mesmo em toda parte e em todos os tempos. Assim com a invenção da escrita vamos sentir necessidade da descontextualização dos discursos. A imprensa, o rádio, o cinema, a televisão para o autor vai seguir a linha do universal totalizante, que segundo ele inicia-se com a escrita. Uma vez que a mensagem mediática é lida, ouvida, vista por milhares ou milhões de pessoas ela é composta de forma a encontrar um “denominador comum” mental de seus destinatários. Por circular num espaço desprovido de interação, a mensagem mediática não pode explorar o contexto particular em que envolve o receptor, ignora a sua singularidade, suas aderências sociais, sua microcultura, seu momento e sua situação especial. A mídia totaliza de maneira frouxa sobre o atrativo emocional e cognitivo mais baixo, quando não com violência. Interagindo com os outros meios de comunicação, a televisão vai trazer à tona um plano emocional de existência que reúne os membros da sociedade numa espécie de macrocontexto flutuante, sem memória e de rápida evolução. Isso é bem visível nos fenômenos “ao vivo” e quando a situação não está nada boa. O rádio e a televisão não têm permitido uma verdadeira reciprocidade, ou interações transversais entre os participantes. Cada uma das formas culturais derivadas da escrita tem a universalidade por vocação, porém cada uma totaliza com base num atrativo diferente: as religiões sobre o sentido, a filosofia sobre a razão, a ciência sobre a exatidão reprodutível – os fatos. E a mídia sobre uma captação num espetáculo siderante: a comunicação. São eles que decidem em última instância, deliberadamente ou na semi-inconsciência dos efeitos coletivos, do universal cultural que juntos estão construindo. E certamente devem perceber que existe a possibilidade de novas escolhas. O valor do ciberespaço está na dissolução dessa pragmática de comunicação que vem desde a invenção da escrita que reuniu o universal e a totalidade. O ciberespaço vai nos levar de volta à situação anterior à escrita, mas numa outra escala e em outra órbita, “na medida em que a interconexão e o dinamismo em tempo real das memórias em linha faz os parceiros da comunicação partilharem novamente o mesmo contexto, o mesmo imenso hipertexto vivo.” Toda mensagem abordada está conectada com outras mensagens, comentários, pessoas que se interessam pelo assunto debatem em fóruns no aqui e agora. É uma comunicação recíproca, interativa, ininterrupta. A densidade dos vínculos e a velocidade das circulações são tais que os atores da comunicação não sentem dificuldade para partilhar o mesmo contexto. O ciberespaço vai realizar uma forma do universal não totalizante, diferente da escrita estática. Ele não gera uma cultura universal por estar de fato em toda parte, mas sim porque sua forma ou idéia implica direito à totalidade dos seres humanos. Estamos todos no mesmo banho, no mesmo dilúvio de comunicação, não cabe mais aqui fechamentos semânticos ou totalizações. É uma nova ecologia dos meios de comunicação que se organiza em torno da extensão do ciberespaço que quanto mais universal, menos totalizável, porque a cada conexão suplementar acrescenta-se mais heterogeneidade, são novas fontes de informação. Isso nos faz participar mais intensamente da humanidade viva, com a multiplicação das singularidades. É a expressão da diversidade do humano. Para Lévy o ciberespaço é a materialização técnica dos ideais modernos. Segundo ele a evolução contemporânea da informática constitui uma surpreendente realização do objetivo marxista de apropriação dos meios de produção pelos próprios produtores. A informática é uma verdadeira revolução que está permitindo a cada um dispensar o editor, o produtor, o transmissor, os intermediários em geral, para dar a conhecer seus textos, sua música, seu mundo virtual ou qualquer outro produto de sua mente. O ciberespaço oferece as condições de uma comunicação direta, interativa e coletiva. É, enfim, a mundialização concreta das sociedades em um universal sem totalidade. A capacidade de memória não se limita mais aos saberes de um grupo. Há a diponibilização de uma memória coletiva em permanente estado de compartilhamento. A cybercultura vai dissolver a totalidade, formando apenas uma comunidade mundial como ela é: com sua diversidade e seus conflitos. A humanidade poderá reunir toda a sua espécie em uma única sociedade. O autor vai dizer que as grandes tradições intelectuais ou religiosas construíram com paciência, bibliotecas-hipertextos, às quais cada nova geração acrescentava seus nós e laços. São inteligências coletivas sedimentadas. E o ciberespaço é um imenso ato de inteligência coletiva síncrona, convergindo para o presente.
Referência Bibliográfica
Pierre Lévy
O UNIVERSAL SEM TOTALIDADE, ESSÊNCIA DA CYBERCULTURA
Ver também:
[1] Pedagogo com habilitação em Administração Escolar de 1º e 2º graus e Magistério das Matérias Pedagógicas de 2º Grau. Professor Facilitador em Informática Aplicada à Educação pelo PROINFO-MEC.
|